Forró: o corpo não mente
A autora é escritora já renomada e frequentadora das animadas pistas de forró da noite paulistana. Embalada pelo ritmo, leva os leitores para este universo, através de 20 crônicas “forrozeiras”. Em cada uma um olhar diferente, inusitado e contagiante sobre o tema. Deborah esbanja nas descrições, explora todos os sentidos tanto das personagens como dos leitores: cores, texturas, aromas ou mesmo odores, temperaturas, sons... tudo rodopia e enebria neste curioso salão que se torna o livro. Junte-se e se deixe levar pelo ritmo fluido do livro.
O forró segue vencendo preconceitos, dessa vez no campo da literatura. Muitos podem se surpreender com um livro de crônicas inspirado no gênero dançante, mas como o mestre das crônicas Mário Prata anuncia no prefácio do livro, “Quando li a primeira crônica – e pasmei! – pensei que ela havia esgotado toda a sua cultura – nada acadêmica – sobre o tema. E é aí que resiste o fenômeno literário que você está pra ler. Sim, fenômeno! Além do primeiro texto, são vinte pedaços de forró. Em cada um, acredite, um olhar diferente, um tema mais inusitado que o outro.”
Deborah consegue extrair o sumo de suas vivências com sua linguagem ágil e reflexiva. Em 2011, navegou os rios amazônicos para escrever um romance finalista do Prêmio Jabuti sobre a Guerra da Cabanagem. Em 2019, conviveu com comunidades quilombolas ao Norte do Espírito Santo para escrever, em co-autoria, outro romance finalista do Prêmio Jabuti. Agora, foi a vez de se debruçar sobre o forró sudestino, que teve um papel importante na sua vida pós pandemia: “O forró me salvou de várias formas. Na retomada do corpo, na relação com os outros e na ressocialização.”
A escritora havia testemunhado na juventude a revolução cultural que significou o surgimento do forró universitário na virada do Século XX em São Paulo. Entendeu que essa história precisava ser contada, transporta para a literatura. A partir do convite de Toshio Yamasaki, começou a escrever crônicas para o site Forró Fonte de Felicidade. Rapidamente, as crônicas forrozeiras se tornaram parte da vida forrozeira paulistana, suscitando temas divertidos e, ora, polêmicos, “O forró é tão maleável que foi acomodando novas tendências da sociedade, como o questionamento da heteronormatividade na dança.”
Acima de tudo, as crônicas são sobre a vida que habita em cada cotidiano:
“Os corpos forrozeiros só precisam uns dos outros. No salão, estão corpo a corpo. Cada qual com o seu tamanho e forma específica, uns altos e outros baixos, uns fortes e outros magros, com seus perfumes e odores característicos, ora doces e amadeirados, suas texturas – mãos calosas ou suaves, cabelos longos, ralos ou rastafáris, suas secreções (notavelmente, os suores), seus sons (suspiros, espirros!), seus estilos de vestir – podendo variar do riponga ao heavy metal, alterando em graus de firmeza e molenguiçe, agilidade e lentidão. Cada corpo é uma verdade inexorável, diante do seu, colado no seu, espelhando o seu.”
Pessoas, abóboras e coisa…
Inspirado por Luís Fernando Veríssimo, Tiago Strassburger nos apresenta vários contos e crônicas da vida cotidiana em sua mais potente das essências: o humor – rápido e inteligente. Por vezes, flerta com a fábula, em sua maneira de falar de um amor impossível; por vezes flerta com situações rotineiras como a do consumidor e seu exercício de comprar materiais de construção.
Tiago Strassburger parece colocar uma grande lupa sobre os acontecimentos na vida das pessoas – que erroneamente chamamos de – comuns e nos mostra as mais interessantes passagens dessas vidas, tirando da simplicidade e do inusi-tado charmosos e surpreendentes pontos de virada.
Passado a limpo
Conhecer o estilo da autora em seu livro de estreia é entretecer fios e cores num estilo simples, cristalino e deliciosamente sedutor. A identificação do leitor é imediata no dedilhar da infância, nas lições apreendidas em cada fase da vida, nos alinhavos e chuleios da memória de uma narradora madura que olha o passado sem se perder nele, mas redesenha itinerários no presente. Singelas como são as lembranças, a narrativa escorre entre os olhos e a alma. Livro que comove, mexe com emoções guardadas representadas, segundo Borges, em vestíbulos que funcionam como portas de entrada pelas quais se acessa o interior de lacrados aposentos. Não falta aos narradores aquele raro dom que Chaplin considerava indispensável para uma boa obra literária: o sentido do humor. Por tudo o que neste livro está expresso: os problemas humanos, as marcas e costuras da vida, torna-se leitura de entretenimento, mas também de reflexão em meio aos terrenos acidentados, clareiras e matas fechadas pelos quais cada ser caminha. Não têm a pretensão de desnudar vidas, mas expor lindamente suas incompletudes, pois não é entre os estilhaços, retalhos e sendas que se caminha?!
Pirotecnia
Lucas Rodrigues escreve o futuro presente, antecipando novas formas. Cínico, clínico, mínimo. Olhar de jornalista no conto e de contista na crônica. Tudo junto e misturado. Sem regras, sem vergonha, imoral, anormal, antinômico, quase manicomial. Leia o deboche, sem retoque. Diamante que se passa por zircônia. Que malandro! Este autor já chega metendo o pé na porta. Se não 'causasse', não seria Lucas Rodrigues.